#05 - Quando nos tornamos apáticos a violência?
Violência na TV, no celular, no outdoor... guerra no dedo, guerra na cabeça....
Toda manhã na hora do café, ao chegar à cozinha, a TV está ligada em um canal de notícias. Meu pai terminou de comer e se levantou para ir ao trabalho. “Já vai? Posso mudar de canal?”, pergunto. “Sua mãe está ouvindo”, responde ele. Tento me concentrar em comer a primeira refeição enquanto há uma transmissão ao vivo de bombas caindo no Oriente Médio. Em que momento ficou tão normal não se assustar com a violência?
Parece distante, mas a violência está tão próxima a nós, que vivemos num estado profundo de letargia.
Eu vivo esse dilema interno como futuro jornalista. Que tipo de jornalista serei se não acompanho o jornal televisivo nos momentos livres que tenho, especialmente enquanto faço uma refeição? Gente sangrando, tanques de guerra, bombas, choros e lamentações em uma língua que desconheço. Não parece algo muito prazeroso de se assistir.
Quase 9 mil quilômetros me separam de onde estou até onde essa nova-velha guerra acontece. Com a globalização e acesso rápido a internet, ela se teletransporta para a palma da minha mão, para a tela de minha TV. Pior, em alguns anos, virá diretamente em minha lente, já que o Meta - antigo Facebook - lançou um óculos imersivo que permite filmar o seu dia a dia inteiro e ver notícias.
Engulo em seco, quase me engasgo com a aveia que como com a banana, a jornalista se mantém neutra, apesar de sabermos nas entrelinhas que os Estados Unidos financia um lado de mais uma guerra truculenta.
Foi dificil escolher uma foto para o texto de hoje. Então decidi misturar duas fotos da guerra com a capa do disco American Life, da Madonna, que é a resenha dessa edição. Todos os direitos reservados.
Pensando num cenário local agora, o jornal local se tornou relatório de polícia. Se tiverem umas 30 matérias por programa, pelo menos umas 15 são sobre feitos da polícia ou sobre algum ato violento, é alguém que morre, outro que leva tiro, outro que é preso por porte de maconha…
“Ainda está ouvindo o jornal?”, pergunto à minha mãe enquanto ela lava a louça. Ela não me ouve de primeira e nem sei no que ela pensa. Repito a pergunta e ela diz que ainda está ouvindo. O problema é que a TV está na minha frente e fico encarando sem entender muito bem o que acontece e quando foi que ficamos tão apáticos em relação a violência.
Provavelmente o programa inteiro da manhã falou sobre a guerra, de tarde, talvez. Em outro canal com toda a certeza só se fala disso. No jornal da noite, poucos darão a importância a uma comissão de deputados conservadores para proibir uniões homoafetivas.
1947 ou 2023? Porque parece que estamos vivendo em um ciclo?
Para finalizar esse texto e não ficar tão prolixo, coloco agora um trecho do texto da jornalista Natália Timerman, do UOL, sobre o embate entre Israel e Hamas. O filho dela quer saber “para qual lado torcer” e sua resposta final é essa:
“Do conforto de um sofá distante da guerra, com celular e ideias apressadas em punho, é fácil se posicionar com base em ideias redutoras. É fácil gritar slogans que vêm de palavras impressas a tinta, é fácil defender a violência sem ouvir o som real e desesperado dos gritos nem sentir o cheiro do sangue. Mas a Palestina só será livre sem Benyamin Netanyahu e sem Hamas.
Respondi ao meu filho: nesta guerra, a gente torce pelas pessoas.”
RESENHA #06 - AMERICAN LIFE
Artista: Madonna
Ano: 2003
Acredito que esse disco seja o melhor para ilustrar o cenário atual - e estranhamente cíclico.
O disco de 2003 da Madonna foi duramente criticado pela mídia norte-americana por… ser sincero. Logo após o 11 de setembro, Madonna se sentiu inspirada para escrever seu próximo disco.
Os temas principais desse disco são o tão esperado sonho americano, materialismo, política - em especial a gestão Bush e a Guerra do Iraque. O clipe da faixa-título foi tão intenso e cru que foi censurado no lançamento. A versão sem cortes só foi lançada em abril deste ano, no aniversário de 20 anos do álbum.
Antes de ler, recomendo que veja o clipe primeiro pra entender mais o cenário:(Imagens fortes podem causar desconforto ao espectador.)
I’m So Stupid conta com uso interessante de sintetizadores, batida de rock e o tema de materialismo na maior parte da canção. Os efeitos na voz se assemelham, especialmente antes do refrão, no estilo de voz feito pela artista no disco Ray of Light, de 1998. No final do dia, “estamos procurando por algo estúpido”. Tema similar aparece na balada poderosa X-Static Process.
A transição de I’m So Stupid para Love Profusion é tão bem feita que nas duas vezes que ouvi demorei para reparar que era outra canção. A mistura de música acústica com eletrônica é a marca principal desse disco, que teve produção do francês Mirwais e da própria Madonna. É outro ponto alto de American Life.
Já em Nothing Fails, uma das mais simples no sentido da produção, Madonna diz que “Eu não sou religiosa / Mas sinto um amor tão grande / Que me faz querer rezar”. Um coral de igreja a acompanha no final da música, dando um ar de gospel. Essa música também foi feita para o marido dela na época, Guy Ritchie.
Apesar de ter temas maravilhosos sendo trabalhados ao longo dos 50 minutos, algumas músicas possuem letras muito repetitivas, o que pode causar cansaço em um ouvinte iniciante nas obras de Madonna. Die Another Day, por exemplo, foi feita para o filme do 007 e é tão estranhamente produzida e destoante com o resto da obra que facilmente é esquecível na hora da execução.
Por fim, Madonna foi muito madura em retratar um tema que mexe tanto com o imaginário mundial e em um cenário delicado de guerra. É um ótimo disco temporal e possui uma videografia invejável.