Acervo Mucuripe: No limite entre a resistência e a memória
Entrevistei Diego di Paula, realizador do Acervo Mucuripe. Conversamos sobre a vaquinha, sobre o acervo e sobre Fortaleza. Afinal, somos uma cidade sem identidade?
Em um bairro Mucuripe diferente do glamour e dos altos prédios com nomes em inglês, há uma simpática casa azul que conta toda a história do bairro. É nela que mora Diego di Paula, turismólogo e responsável pelo Acervo Mucuripe, local onde guarda tudo - ou quase tudo - do que já foi feito sobre o bairro e sobre a cidade de Fortaleza, de forma geral.
Foi assim que comecei a minha reportagem sobre o Acervo Mucuripe, publicada no Jornal O POVO. Aqui, vou escrever sobre outras perguntas sobre Fortaleza, que ficaram muito grandes para entrar na matéria principal.
Na pré entrevista, eu tive um insight de quando eu fiz a disciplina de Jornalismo Comunitário, com a professora Ana Paula Farias. A gente discutia sobre a cidade, nossas vivências, nossas reclamações. Foram estudos dedicados também à memória dessa cidade tão mutável como Fortaleza.
Diego em frente a casa-museu-acervo (Foto: Fernanda Barros)
Após a introdução, - quase da mesma forma que escrevi aqui - pergunto: Vocês acham que Fortaleza é uma cidade sem identidade?
“Acho que Fortaleza tem identidade sim. O problema é a não aceitação dessa identidade, né”, responde Diego, que logo passa a pergunta pra Ianna Uchoa, amiga e historiadora, que veio de uma cidade do interior do Estado. A partir daí começamos uma rápida aula de história
Historicamente, Fortaleza é uma cidade de imigrantes, que tem um ar interiorano. Essa desigualdade de Fortaleza, tem sim uma historicidade. “Porque lá em 1888 ou antes, mas marcadamente a seca de 1915 a de 1932 que veio a leva de imigrantes que foram formando esses bairros que hoje nós entendemos por periferia e que são segregados. Era uma forma de colocar essa população, jogar essa população de maneira excludente, né?”, explica Ianna.
Só no comecinho do século 20, que Fortaleza vai se virando para o mar, vai se moldando. O Centro foi deixando de ser um espaço de elite e estes foram se voltando para o mar. Daí é que começa toda essa especulação imobiliária aqui que hoje nós vivemos.
Diego em meio aos livros de fotografia, recortes de jornal, discos de vinil e na vontade de conquistar um espaço maior (Foto Fernanda Barros)
No Mucuripe, por exemplo, o metro quadrado é em média R$ 1.472.783. Porém, urbanisticamente falando, é um bairro complexo. Entre os arranha-céus há casas, como a de Diego, que resistem e mostram o que era antes uma vila de pescadores.
Diego retoma a entrevista dizendo que Fortaleza tem essa identidade agora ela não é aceita como deveria. “Existe também, Vários outros problemas. Além da especulação, o próprio capitalismo, no qual você conhece a cultura do outro lado do planeta, mas não conhece a sua cultura local. Somando-se a isso a falta de leis e a falta de política pública mais direcionada para a memória mesmo”.
E eu concordo completamente. Eu me sinto turista na cidade que moro, comento com eles. Nunca fui ver o pôr do sol na Barra do Ceará, ou Titanzinho, não fui na Feira da Madrugada, ainda não fiz a trilha do Cocó…
Enfim, a lista continua. Eu sinto um pouco de vergonha disso, mas o importante é reconhecer esse sentimento meio estrangeiro na cidade natal.
Sentimento esse que pode ser influenciado pelo medo da violência urbana, que assola bairros inteiros e pessoas, a falta de um transporte público que cubra a cidade toda… (cadê o metrô?).
Com a cidade se desenvolvendo com pessoas que fugiam das secas, a elite negou essa parte da história, excluindo essa população de imigrantes.
“E foi se basear no estilo de vida eurocêntrico de copiar modos, costumes, atos… é uma cidade que se construiu excluindo a sua própria gente em nome de uma elite que tem desejo de mostrar o que não é”, ressalta Ianna.
No decorrer da entrevista, perguntei sobre a vaquinha, que está acontecendo para que Diego compre um novo espaço para o Acervo. Pergunto qual o material mais precioso de todo o acervo e outras perguntas que renderam um áudio de 48 minutos. E comprovamos que realmente éramos de Fortaleza: na conversa, descobrimos pessoas e atravessamentos em comum.
O passaporte de Mestre Jerônimo (Foto: Fernanda Barros)
Saí da entrevista realizado. É tão bom encontrar pessoas apaixonadas por essa Cidade, que vão contra a maré dessa coisa do digital no lugar do papel, do velho substituído pelo novo. Fortaleza também é uma cidade de modas - e acredito que todas as capitais sejam assim também. É só olhar os esportes do momento: era crossfit, depois veio a canoagem e agora o beach tennis…
Enfim, depois de ter comentado sobre me sentir alheio ao que acontece nessa cidade tão grande, eles me tranquilizam ao dizer que “a memória sempre é reconstruída”.
Que façamos essa reconstrução e preservemos nossa memória!
Ócio Róseo recomenda:
Duda Beat - Tara e Tal
2024
Nota: 8.3
No seu terceiro álbum de estúdio, Duda Beat continua na pegada eletrônica que seu disco anterior “Te Amo Lá Fora”, de 2021, já tinha apresentado. Porém, em “Tara e Tal” o eletrônico vem ainda mais forte, meio industrial, mas sem perder a originalidade.
A produção de Lux e Tróia traz um ar fresco ao cenário pop nacional, enquanto outros artistas tentam apenas replicar o que é tocado lá fora. A dupla de produtores aposta na fusão do funk nas faixas “Saudade de Você” e “Desapaixonar”, traços de reggaeton em “Baby” e até um drum and bass maravilhoso na faixa “Teu Beijo”, que termina com um solo louco de guitarra. O batidão em “doidinha”, como diz o nome, dá vontade de sair doidinha pelo meio da rua.
Outro acerto são os visuais muito bem feitos que estão presentes nessa era, numa vibe que mistura o surrealista com o punk britânico dos anos 80. É um disco que combina tanto sonora quanto visualmente, nunca deixando seus diversos elementos soarem conflitantes.
A cantora entrega outro trabalho incrível do início ao fim, trazendo um storytelling romântico que já virou sua marca registrada. Os vocais, apesar de aparecerem com efeitos em muitas faixas, mostram amadurecimento, e, já vendo um show de Duda, sabe-se que ao vivo ela consegue fazer tão bem quanto, senão melhor.
Duda Beat é uma das poucas no cenário nacional que consegue entregar obras completas e com uma fusão tão grande de gêneros musicais. Até o momento, “Tara e Tal” pode ser considerado um dos melhores lançamentos do ano.