“Somos a geração da camisa preta!”
Quando os encontros em um bar fora da minha zona de conforto se transformam em palco de um conflito moderno
Fui chamado para o aniversário de uma grande amiga minha, daquelas amizades de baixa manutenção e muito carinho. Falamos pouco pelo celular. Os mais de dez anos estudando juntos permitem essas interações que acontecem raramente.
Mas o texto de hoje é mais uma reflexão… nada contra, C! O aniversário foi ótimo, entretanto não pude deixar de observar os cenários repetidos, as mesmas cores de roupas e o vício coletivo em vape.
O primeiro estresse foi ter que pagar 50 REAIS apenas para entrar no estabelecimento. E o pior? Não avisaram sobre isso em local algum, exceto nas letras miúdas do cartão de consumo individual. Além do preço absurdo, éramos obrigados a ficar em pé ao redor da mesa. Esse espaço do restaurante é chamado de pub, mas não se parece com um.
Contextualizando, o pub é aquele clássico bar britânico. Já fui em um? Ainda não. Mas ele não funciona com serviço demorando, gente em pé e servindo gin e vinho. Costumam ser vendidas refeições rápidas e cerveja, principalmente.
A primeira banda entrou. Pop Rock. Ufa, pensei! É o gênero musical que mais ouço. Quando os artistas tocaram os primeiros acordes de Cuff It, da Beyoncé, fui à loucura. Por breves segundos, pensei que a maioria das pessoas no bar também tiveram a mesma reação. Me enganei.
A endorfina bateu forte. Aliás, a falsa sensação de euforia coletiva me acompanhou até às 1h da manhã, que foi quando me retirei do belo estabelecimento no Meireles com uma conta que deu mais de R$ 120 - na qual pedi somente três doses de cachaça e duas águas…
Eu olhava para os lados durante essas canções mais animadas e deviam ter eu e mais meia dúzia de pessoas realmente curtindo. Laila, minha melhor amiga, e que, junto comigo faz esse trio com a Clara, comentou: “O Mario tá fazendo valer cada centavo.” Well, pelo menos curti muito as músicas!
Nesse cenário com o público letárgico-apático, quem não curtia muito as músicas ou estava no celular ou usava algum vape ou pedia mais vinho para o garçom - numa tentativa, interpretada por mim, de que beber vinho num bar lotado passa a imagem de “sou bem sucedido e vou beijar minha namorada na frente de todo mundo”.
Dos que estavam no celular, a maioria ocupava-se no instagram, ou melhor, postava stories. O lugar, claro, é instagramável. Mas não só ele, a roupa também, o gin superfaturado… Ao contrário do que Charli XCX diz na faixa "Tudo é Romântico", nada ali possuía romantismo. Tudo era instagramável para garantir a melhor foto no feed. Bizarro.
Em meio a muita luz, som alto, e uma fumaça que não soube dizer se era do gelo seco ou uma mistura tutti-fruti dos inúmeros vapes de sabor morango, uva e ice (que diabos de sabor é esse?), comecei a me cansar.
A segunda banda entrou, era mais rock. No fim da noite, o repertório era parecido. Em certo momento, eles cantaram Bad Romance. Eu enlouqueci, quem me conhece sabe que sou muito Little Monster (fã da Lady Gaga, para quem não se interou no movimento). Nessa hora, havia uma dúzia de pessoas pulando.
Não sei se é porque comecei a ver Sex and the City e comecei a observar tudo ao meu redor, os movimentos parecidos, as roupas… Then I have a thought… lembrei do porquê comecei a escrever esse texto.
90% dos homens que lá estavam, usavam preto. A camisa toda preta ou com poucas estampas. Sem saber, me adequei ao dress code. Enquanto esperava a fila do banheiro - local que encontrei um colega de infância, do mesmo círculo de amigos que eu, L e C (a aniversariante) - um homem aleatório entra e diz:
“A gente é a nova geração das calças boca de sino” E eu fiquei sem entender. O homem-doido-de-gin complementa: “Olha ao redor, todo mundo tá usando preto”. Me reparo no espelho. Eu, os três caras no mictório, o doido que grita que foi pro box. TODOS usando preto. Black is the new black? Parece que Coco Chanel foi atemporal na criação do “pretinho básico” que se transporta da bonequinha de luxo do século 20 para o hetero instagramável contemporâneo.
Entre risadas tímidas de todos os presentes no banheiro sujo demais para uma entrada de 50 reais, olho a fila que se formava na porta. Mais três homens de camisa preta. Comecei a rir percebendo movimentos fashions que acontecem de maneira inconsciente.
Enquanto era empurrado e levava leves cotoveladas de mais 100 heterossexuais até chegar à mesa, percebi como há espaços para todos nós. No bar superfaturado talvez não fosse o meu lugar, mas isso não me fez ser peixe fora d’água. A companhia dos meus amigos tornou a experiência menos traumatizante.
Retornaria ao grande fumódromo usando camisa preta e portando o iPhone de última geração para ouvir os outros presentes que parecem clones de si mesmos falando de ativos, criptomoedas ou sobre vinhos caros que foram tomados numa viagem exclusiva para o Chile? Provavelmente não, mas pelo aniversário da C, muitas vezes a única data que nos vemos presencialmente, eu voltaria sim!
Porque às vezes o que importa no rolê não são as dezenas de pessoas usando preto, mas aquela pessoa que você enxerga as verdadeiras cores (como já dizia Cindy Lauper). Por ela, vale a pena pagar certos 50 reais.
Ócio Róseo recomenda:
2024
NOTA 9.0
Se você entrou recentemente em qualquer rede social, provavelmente se deparou com o verde vivo, meio verde-limão com alguns dizeres em letra preta. Lembro que quando Charli anunciou a capa do disco, o Twitter foi em polvorosa reclamar. E hoje, eles fazem é aclamar.
Capa feita pelo estúdio Special Offer, Inc.
Além do marketing muito bem investido, em BRAT, Charli xcx traz a pista de dança aos nossos ouvidos. Com influências house, techno e hiperpop, Charli e os produtores nos trazem um álbum dançante e reflexivo em algumas das canções.
De canções reflexivas temos ‘Sympathy is A Knife', onde Charli descreve sobre se sentir infeliz em uma relação e ter que forçar simpatias - a internet já está a procura de que seja essa ou essas pessoas que encaixam na letra. “So I” é outra com conteúdo lírico sensível e lindo, falando sobre sua amizade com a produtora SOPHIE, que faleceu precocemente em 2021.
Charli usa o mesmo recurso que Lady Gaga realizou no Chromatica, por exemplo, de trazer questões profundas disfarçadas com batidas dançantes. Parte do disco também fala de viver uma boa vida, com Von Dutch, o primeiro single do disco, que se perde no conjunto da obra. ‘Everything is Romantic’, ‘Mean Girls’ e ‘360’ seguem o mesmo tema, mas se destacam mais no álbum.
Outra que já está dando sinais de hit na rede dos vídeos curtos é a canção Apple, que ao analisar a letra, percebemos que fala de trauma familiar e de como “a maçã nunca cai longe da árvore… eu vi tanto você que agora me vejo em você”. Toda semana eu tenho uma favorita do BRAT, provando que, até o momento, ele é o álbum do ano.
O álbum se encerra com ‘365’, um remix da primeira faixa ‘360’, como se fosse uma reprise, que termina com um batidão tecno. BRAT sintetiza todas as facetas cantadas por Charli durante os mais de dez anos de carreira da britânica. Traz muito do eletrônico representado nos últimos anos, além de um amadurecimento lírico impressionante.
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Dias depois, ela lançou a versão “deluxe” do disco, com mais três músicas, sendo ‘Guess’ e ‘Spring Breakers’ - que tem sample de Britney Spears! - as que mais se destacam. Tanto as notas para a edição padrão quanto pra “deluxe” ficaram a mesma, nota 9.