Sol do Atlântico
Tirei férias do meu emprego chato, de minha vida monótona. Ainda não tem como me sustentar por si só, então moro e viajo com minha família.
Por duas semanas, deixei o emprego de lado, da cidade grande que cansa ao acordar e de uma namorada que não supre meus desejos e não entende que o que quero é outra coisa.
Sempre fui de agradar os outros, agrado tanto o próximo que comecei a ter repulsa de mim. Não amo minha namorada, amo homens.
O agrado tira tanto da gente que esse namoro é de mentira, nem sei se ela percebe isso. A frieza, o sexo mecânico e sem graça de orgasmos forçados e a falta de assunto são a comprovação de que nada ali dá certo.
Esse namoro é só pra agradar a minha família terrivelmente evangélica, na qual um glória a Deus é mais importante do que um “Eu te amo”.
Enfim, pegamos o carro e viemos para essa praia paradisíaca no Rio Grande do Norte. Nos foi oferecido um passeio de lancha para ver os corais lá dentro do mar, onde o azul do céu e o azul do oceano se encontram.
Eu estava um poço de estresse. Não consegui deixar na capital as angústias e chateações e elas vieram na bagagem de mão. O sol queimava demais, a tia gritava demais dizendo qualquer coisa para chamar atenção.
Meus pais estavam com um casamento em crise há mais de uma década. Eles acham que a gente não percebe e vice-versa. Tudo nessa família é de fachada.
Mas nas viagens, eles colocam um sorriso no rosto, acordam cedo para o café da manhã e até se beijam nos passeios pra fingir que tudo está bem.
Na hora de entrar na lancha, o vento forte fez com que a portinha que servia de guarda-volume se abrisse e acertasse em cheio meu joelho. “PORRA!”, gritei ao vento.
Quando levando o olhar, estava lá um dos pilotos da lancha— homem negro de pele queimada pelo sol, da cor de cocada. Seus olhos castanhos e sua barba-por-fazer encontraram minha reclamação com um breve sorriso.
Só de olhar aquele sorriso meu dia mudou. “Pode me ajudar com o colete? Como que amarra?”, perguntei ao homem ainda sem nome. Ele segurou minha mão e levou até a corda do colete e deu o nó.
O sol, a cor laranja do colete surrado pelo sal, o mar e o céu azul e a pele de Isaías ressoava aos meus olhos. Parecia um orgasmo visual. Muita cor para minha vida cinza.
Foi dada a partida. Fui logo na frente por conta do peso e altura, tinha que ficar balanceado. Durante uns dez minutos de lancha, a água respingava em todos nós como se fosse chuva.
Ao desembarcar, o piloto passou pela minha frente para tirar a âncora. Deu um pulo para conseguir passar entre mais duas pernas que compartilhavam a frente da lancha comigo.
Colocada a âncora num coral. Era tudo muito bonito. Peixinhos tímidos se escondiam ao nos ver, mas a gente não os via direito com os óculos embaçados e os snorkels funcionando mal pelas pequenas ondas que acertavam em cheio a saída de ar do aparelho.
Voltei rápido ao barco, depois de ter passado uns 15 minutos dentro d’água. Foi aí que perguntei o nome do piloto, pois não tinha tido oportunidade.
“Isaías” disse ele, com o mesmo sorriso meio-tímido-meio-safado de vinte minutos antes. “Tu pode tirar aquela foto que tu tinha que o ângulo era bom?”
Minutos antes de descer, ele tinha sugerido que as fotos ali onde ficavam a âncora ficavam ótimas. Levei aquilo como oportunidade.
Entreguei a ele meu celular. E fui posar todo sem jeito.
- Aqui tá bom?, perguntei a ele, em meio a voz alta, pois o vento dificultava a comunicação.
- Vai pra dentro do buraco que tu se equilibra melhor, disse ele.
Ah, se ele soubesse qual buraco eu queria ele dentro…
Ele tirou as fotos e elas ficaram ótimas. Disse isso a ele, no qual ele retribuiu com a mesma gentileza desde a primeira vez que me encontrou nesta manhã agora sem estresse.
Decidi ficar na lancha mesmo, estava mais relaxado ali mesmo. Ofereci chiclete a ele, tinha alguns na bolsa. Ele disse um não sorrindo. Depois, ele pediu um churrasquinho, que era servido pelos próprios barcos, que tinham servido de comida e bebida.
- Quer? Isaías me oferece a carne, levantando o espetinho de frango (ou lagosta)
Não sei bem o sabor, pois recusei a oferta.
O tempo foi passando mais devagar, e eu adorando, relaxando cada vez mais. Em dado momento, tirei o enorme óculos escuro que cobria a cara e coloquei o chapéu de palha que tinha comprado.
Me levantei e fui conversar com ele. Já tinha passado muito tempo sentado
- Tu trabalha há quanto tempo com os passeios?
- Tem uns dez anos, responde ele.
- Gosta? Não deve cansar de ver o mar assim todo dia.
- Gosto, mas o sol queima demais. A gente sai com as costa tudo ardida.
- É… olhando por esse lado, respondo soltando um risinho de final-de-conversa.
Mais uma vez ele retribui a gentileza com o sorriso. Agora, sem a lente do óculos marrom escura, vejo que sua pele parece bem hidratada apesar do sol castigá-la todo dia. Sua boca com dentes brancos deixava tudo mais bonito ainda.
De repente, ele pergunta:
- E teu olho? É dessa cor mesmo? Ou é lente?
- Ah, é sim! Tô de lente, mas essa é a cor deles mesmo, respondo meio sem jeito
- São bonitos, responde com o mesmo sorriso
- Obrigado, digo eu com um sorriso maior ainda, feliz que ele tenha reparado nos meus olhos.
Já é hora de retornar a areia. Todos embarcam e Isaías me ajuda de novo com o colete. Dessa vez ele aperta mais o nó, e explica que o vento está forte e é melhor se segurar.
E ele não estava errado. Por sorte, estava do lado contra o mar, então não tomava os caldos de água salgada quanto o resto da tripulação. Isaías com todo seu conhecimento, conversava com o outro piloto, dando coordenadas e falando da velocidade do vento.
Desembarcamos, soltei o colete. Isaías tinha guardado as nossas coisas no armário que tinha batido na minha perna com um nó impossível de soltar. Todos que estavam no barco tentaram abrir o armário e ele ria no mar, enquanto terminava o serviço.
Queria eu que ele tivesse ficado com meu coração amarrado com um nó difícil de soltar. Por breves duas horas, queria que Isaías fosse meu e que eu fosse dele.
Queria que ele me cheirasse, me amarrasse treinando seus nós de marinheiro. Que me abraçasse com seus fortes braços, que me carregasse pela areia em algum dia em que eu torcesse o pé do nada. Querer, querer, querer.
Naquelas duas horas, amei Isaías e por mais idiota que seja, queria que ele tivesse me amado mesmo. Talvez ele tenha me amado e negue isso até o fim de sua vida. Mas aquele sorriso meio-safado-meio-gentil e a forma que ele reparou meus olhos verdes, eu nunca esquecerei.
O texto dessa edição é um conto. É ficção. Qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência.