São Paulo : placas de led não aquecem dias nublados
relatos de dias se sentindo só na espera de um grande show
Eu acreditava que lidar com expectativas era uma experiência inerentemente humana. Passa-se o tempo, chegam outros meses e outras ideias brotam na sua cabeça e se multiplicam quase te deixando louco com as possíveis possibilidades, sejam elas boas ou ruins. Os animais, por exemplo, agem por instinto, enquanto nós temos etapas longas de planejamento até chegar ao esperado.
Começo o texto desta forma porque nunca lidei tanto com expectativas como nos últimos meses. Desde o ano passado, contava os dias para a chegada do show do Twenty One Pilots, que aconteceu no último dia 26, em São Paulo.
O ingresso foi comprado em maio, de segunda mão. Fazia sentido me preparar tão cedo - eram meus últimos meses no estágio e levei a sério uma das músicas do último disco da banda, Next Semester, que diz: “Não dá para mudar o que você fez / recomeçar no próximo semestre”1.
Olhava o ingresso no app e me preocupava de não passar na hora de entrar no estádio porque tinha o nome da antiga dona. Monitorava os voos. Organizava a hospedagem onde achava que era bem-vindo… Essa movimentação ocorreu até dezembro.
Seria minha primeira viagem sozinho também. Grande cidade, metrôs e muitos museus. Já tinha visitado São Paulo em 2019 com minha família, mas agora era eu, e somente eu na multidão.
Quando cheguei em São Paulo, de cara percebi que é outra velocidade. Mais gente andando apressada, mais buzinas, mais carros, mais tudo. Andando no corredor do metrô, fui atravessado por uma luz amarela em um outdoor digital acima da minha cabeça anunciando mais uma bet. Tudo aqui é mercado.
Aguentei o temporal de sexta-feira, 24 de janeiro. Eram 15h e o céu ficou tão nublado que pareciam ser 18h. Foi só o tempo de terminar de almoçar e chegar na Pina Contemporânea, local que me serviu de abrigo por uma hora e meia.
Uma imagem nada aesthetic, mas foi o que aconteceu no subsolo do Pina Contemporânea
A força da água foi tanta que inundou o andar subsolo do museu, onde estava vendo outra parte da exposição (que cá entre nós, nem era uma mostra tão legal assim). A bombeira veio resgatar os visitantes e eu prontamente aceitei, acreditando que eu e mais dez pessoas sairiam junto comigo.
Quando dei por mim, estava só eu e a bombeira, de mãos dadas, atravessando a amostra de um dilúvio digno de Noé. “A gente vai se molhar só um pouquinho”, disse ela enquanto o único tênis que tinha levado da viagem tomava seu banho do ano.
Comprei uma capa de chuva na lojinha do museu e quando a chuva baixou um pouco, voltei de metrô para casa. Por conta de uma curva errada na estação, atrapalhei o fluxo robótico e frenético de milhares de trabalhadores que também voltavam para casa usando a linha vermelha. Cheguei vivo.
Como ia só ao show, comprei uma passagem de um transfer que levavam e traziam fãs do estádio. Pensei nisso também como forma de conhecer alguém e não se sentir tão só durante esse momento esperado por meses.
Pois bem, no ponto de encontro escolhido só estava eu e uma menina de Goiânia, muito calada. Decidi não insistir para não ouvir respostas monossilábicas.
Chegamos uma hora antes do portão abrir. Foi só o tempo de atravessar a rua e chegar ao shopping Bourbon que o céu fechou e caiu o temporal. A menina foi por um lado e eu pelo outro. Não queria me molhar.
Acreditava que meu carisma era minha arma e que meu sorriso seria a munição. Eu conseguiria me virar.
Nessa espera dentro do shopping, me senti um idiota desesperado por companhia. A maioria das pessoas foi acompanhada - ou eram duplas, ou grupos de cinco. Para a maioria, dei um sorrisinho com a mensagem implícita de “Bem-vindos! Bora curtir o show!” e em nenhum momento senti a reciprocidade.
Para descrever direitinho - eu estava com a camisa da banda, comprada no dia anterior na Galeria do Rock. Não era nenhum estranho naquele cenário.
A coisa que mais fiz durante a espera de três horas pro show começar foi sorrir, na esperança de ver um conjunto de dentes ou um leve fechar de olhos vindo na minha direção. Nada.
Sentia que parecia com aquela mulher, Stefany Thaís, que está viralizando por tecer comentários a pessoas aleatórias na rua e depois soltando uma gargalhadas. (Recomendo o conteúdo da querida, muito fofa)
Legenda: QUE SHOW LINDO HAHAHAHA
Confesso que em toda a glória da minha defesa em dar rolê sozinho, ir ao cinema é completamente diferente do que ir a um show [em outra cidade] sozinho.
E confesso também que isso foi me deprimindo, percorria mentalmente as perguntas que faria para algum lobo solitário fã de música que estivesse no estádio
“Veio de onde?”
“É seu primeiro show? que bacana!”
“Qual o melhor álbum, hein???”
“Será que ele vai tocar Oldies Station? Pediram tanto no insta, né?”
As perguntas permaneceram na minha cabeça e tive que deixá-las de lado para curtir o show.
No setor que estava, as quatro cadeiras de ambos os lados estavam livres. Mas quando começou “Overcompensate”, a primeira música da turnê, todo esse drama da solidão se dissipou igual à chuva, que deu uma trégua durante o show.
Eles cantaram, pularam, emocionaram todo mundo, e eu ia fazendo meu show, curtindo tudo no espaço da minha fileira. Como não tinha ninguém do lado, saia pulando, gravava algumas músicas e cantava até ficar rouco. As expectativas que tanto rondavam minha cabeça sobre o show estavam corretas. Foi um show espetacular, foi mágico.
No final, parecia o fim do mundo com todo mundo querendo sair ao mesmo tempo. Tive que cruzar três ruas pra chegar no ponto de encontro do transfer. Lembra da menina monossilábica? Ao final já era verborrágica, e pra piorar, rouca, o que começou a me dar agonia porque queria que ela poupasse um pouco a voz para não piorar a situação.
A volta foi bem mais legal, foi num carro por conta do baixo número de pessoas que iam ao hotel escolhido pro desembarque. Todos conversaram muito, falando do show de São Paulo.
Eu, que sou uma pessoa que gosta de conversar, preciso disto: diálogo e troca de ideias. Me coçava quando ia aos museus querendo conversar sobre tal obra de arte com outro visitante. Foram períodos de provação, noites mal dormidas, dilúvios e dias de sol.
Não diria que São Paulo foi tão acolhedora, mas a música foi.
Aqui no final do show já, nem me importava mais se tava triste
Pra conhecer - twenty one pilots
Arthur, meu namorado, pediu que eu reunisse numa playlist as melhores canções pra conhecer a banda. Reuni vinte e uma pra ficar combinando com o nome da banda. Tentei colocar de todos os discos e com transição entre elas.
Dá o play e aproveita!
Termino essa edição pedindo desculpas pelo sumiço - é tanto ócio que a criatividade fica estagnada.
Essa frase aparece em uma exposição no Museu da Língua Portuguesa e acho que a mensagem merece ser compartilhada. “Eu vou pra onde a caneta quiser me levar”
Obrigado por ler a ócio róseo! Se inscreve gratuitamente para receber novos posts e apoiar meu trabalho :)
Do original: Can't change what you've done / Start fresh next semester