Nasceu uma estrela e nasceu uma fã
Como um encontro com uma família do sul do Brasil deixou o Rio de Janeiro ainda mais lindo
Fazia calor. Mas não desses escaldantes que a gente tem em Fortaleza, não era uma quentura dessas que se sai de casa, dá três passos na rua e se está suado. Era diferente. Certa vez Fernanda Torres disse em alguma das inúmeras entrevistas que deu, que “o cabelo incha no Rio”, e é verdade. Toda vez que ia sair do Airbnb, meu cabelo recém cortado, parecia ter sido vítima de uma tesoura cega.
Saindo do campo capilar e da nossa surpresa com o clima ameno carioca, estava eu e Arthur, meu namorado, na fila para pegar o bondinho de Santa Teresa. Era uma quinta-feira, mas a fila depois do almoço já cobria quase toda a extensão da pequena estação.
Ficamos animados com o passeio, ainda na produção do roteiro de viagem, pois andar de bonde é raridade. Sem contar que as ladeiras, subidas e descidas eram a promessa certa de que “tiravam o fôlego”, diziam os blogs e vídeos do Tiktok. A boemia, as sorveterias, os doces lusitanos. Mil mundos em várias ladeiras por Santa Teresa.
Enquanto a fila não andava, e o medo de se estar mexendo no celular em um local aberto numa cidade enorme, comecei a perceber meus arredores. Ativando o sexto sentido à la João do Rio - e aproveitando que já estávamos na cidade que o consagrou como grande cronista - reparei na mãe e filho que estavam atrás da gente. Eles conversavam empolgados segurando os copos do Burger King.
- Será que dá pra descer num largo desses e depois subir? - perguntou a mãe
- Acho que dá sim - respondeu o filho.
Nessa hora, o insetinho do jornalista me picou, junto ao carisma nordestino e respondi, já com o mapa em papel, disponibilizado no local.
- Dá sim. Eu procurei antes de vir. Aqui nesse ponto, é onde tem muitos restaurantes, neste outro, bonito mesmo é a vista.
Quando dei por mim estávamos nós quatro conversando juntos. Lembram do sentimento de solidão que senti quando estive em São Paulo em janeiro? Ele se dissipou facilmente nas terras cariocas. Todo o mapa mental de perguntas que preparei para São Paulo funcionou no Rio.
Perguntei ao filho quando foi que virou little monster. Rapidamente, ele responde que: sempre foi fã da Gaga, sua mãe ouvia as canções desde quando ele estava no berço. Me surpreendi ao conhecer uma mãe little monster, pois, geralmente, pais e mães consideram esse amor a um artista ou música “besteira” ou “perda de tempo”.
A mãe respondeu que sempre gostou de ouvir, que o marido dela puxa na gaita, (ela fez isso fazendo um movimento de uma sanfona, aí lembrei do quão plural é este país) uma canção da Gaga que ela nunca lembra o nome ou letra, disse que não saber inglês a distancia um pouco da artista e da língua, mas que adora o ritmo.
Foi a partir da seguinte frase, que a ideia deste texto surgiu:
- Mas quando saiu aquele filme dela, “Nasce Uma Estrela” foi que eu gostei mesmo. Nasceu uma estrela e nasceu uma fã.
Terminada a frase, me virei para ela igual um cachorro com as orelhas levantadas.
- Pera ainda… você acabou de dar o título do meu texto
- Foi mesmo? Você escreve?
A partir daí, com a conversa toda fluindo bem, contei que escrevia e tentei não falar daquela ladainha de ser recém formado, do mercado de comunicação estar difícil e que essa newsletter é o meu projeto.
Na hora, peguei o celular, anotei a frase, nomes e idades dos dois.
A mãe, Malu Godoy, 51, e o filho Lucas Godoy, 14, vieram de Caxias do Sul, interior do RS. Foi complicado achar voos, mas Malu confessou que comprou as passagens ainda em outubro.
- Eu já tava acompanhando a movimentação. Lembro que no início diziam que os organizadores estavam na dúvida se o show aproveitaria o feriado do dia primeiro ou se seria no dia 17. Logo pensei, eles não iam perder essa oportunidade do feriado, porque quem vem dia primeiro não vem dia 17 e vice-versa. - confessa Malu.
A fila durou cerca de duas horas, mas não sentimos o tempo passar. Quando o papo é bom, o tempo voa. Era o primeiro grande show de Lucas e ele estava muito empolgado. A família conseguiu um quarto compartilhado no Airbnb, em Copacabana mesmo. Sorte grande.
Falamos do que achamos do Rio até então, das diferenças do Brasil, e claro, da women of the hour, Lady Gaga.
- Será que ela vai falar com os fãs? - perguntou Lucas
- Olha, eu acho difícil, mas estão acampando e tudo, né? - eu respondi
- Passamos lá em frente ontem e tava impossível. Vocês já foram lá ver? - disse Malu
- Ainda não, mas vemos tudo pelo Twitter - respondeu Arthur
- Ai lá parece um carnaval, tem música tocando, vendedor com coisa da Gaga, uma loucura! - respondeu Malu.
Embarcamos no bondinho que só cabe 20 pessoas. Tudo o que fora prometido, era verdade. A vista era linda, dava pra ver o Rio todinho e ainda mais um pouco. As favelas contrastando com os morros no meio da cidade, a brisa fria do mar, o chão, o céu. Era um conjunto louco, multicolor e caótico.
No final, dava para ver o Cristo Redentor. Escolhemos descer no Largo do Curvelo e ir ao Parque das Ruínas, também conhecido como Parque Glória Maria. No caminho, depois de perder e se encontrar, afinal, só se conhece uma cidade andando, chegamos ansiosos pela vista.
Serei repetitivo se dizer que o local era lindo, mas era muito bonito. Tinha um mirante do qual dava para ver e ouvir os aviões pousando no Aeroporto Santos Dumont, Pão de Açúcar e o Cristo mais uma vez.
Lá dentro, tinha uma exposição chamada In Limbo da artista russa, Katerina Kovaleva, que faz obras em tecido de paraquedas. O vento batia nas peças, dando movimento e outra percepção da obra. O espaço era tão grande que eu e Arthur fomos para um lado e Malu e Lucas foram para outro.


No subsolo, onde se encontra o Teatro Ruth de Souza. Um rapaz lia a biografia da atriz em voz alta. Quando viu eu e Arthur, disse:
- Vai, lê aí - ordenou o estranho.
Me desatei a ler, meio desacreditado no início. Nunca vira aquele homem na minha vida e já estava o obedecendo. Depois de ter lido, ele disse:
- Agora você - disse, apontando para o Arthur.
Sem questionar, ele leu o próximo. Terminada a estranha leitura dinâmica, o rapaz nos elogiou e eu disse:
- Jornalista, né, amigo, a gente tem que se virar
- Olha, arrasou! Então nessa sexta, sábado e domingo, vai ter nossa peça maravilhosa aqui mesmo no Teatro Ruth de Souza
As outras três meninas que estavam ao lado dele, que leram alguns dos parágrafos, se apresentaram também e confirmaram o convite. Falaram até no negócio de ingresso amigo, que sairia mais barato.
Nos empolgamos, seguimos eles e a companhia de teatro no instagram e na sexta retornamos ao Parque Glória Maria para assistir. Ator é osso, né, carioca então, tem toda uma malemolência por trás. Numa leitura de um mural já engatou um convite para assistir à peça. Confesso que adorei a abordagem.
Durante essa interação estranha, porém prazerosa, Lucas subiu e foi embora com a mãe. Fiquei com o coração na mão, pois adoraria ter trocado contato com eles. Dentro do táxi , me lembrei que anotara no celular o nome, sobrenome e idade. Pois não foi que a primeira conta a aparecer era Malu? Quando é para as coisas acontecerem, o universo (até mesmo o digital) colabora!
Mandei a mensagem:
“Malu! Não conseguimos ver você e o Lucas na saída pra dar um tchau. Foi um prazer enorme conhecer vocês e dividir essa tarde na cidade maravilhosa. O papo foi tão bom que nem vimos o tempo passar na fila. Um beijão e bom show! ”
Horas depois, ela me responde:
“Querido, quando saímos disse pro Lucas, poxa nem pegamos os contatos deles, foi uma ótima Cia. Obrigada pela ótima tarde, quem sabe a gente se encontra ainda. Bjs a vcs
Estamos aqui no Copacabana, ta uma loucura, ela mandou pizza pras pessoas hahaha”
Conversamos e trocamos números de telefone. Todos os dias a gente marcava algo juntos mais uma vez, os quatro contra a loucura carioca. As agendas não batiam. Em uma das nossas conversas, ela me mandou um áudio meio aflita, dizendo que ia dormir de sexta para sábado na praia de Copacabana, encostada na grade.
- O meu pessoal aqui, meu filho e dois meninos que a gente conheceu, estão querendo ir hoje (sexta) pra acompanhar, porque eles acham que vai ter ensaio geral, e já ficar até amanhã, entendeu? Levar coisa e dormir escorado na grade, porque eles acham que se chegar às três da manhã não tem grade. Já tô desesperada, não sei o que vou fazer. - disse no áudio.
E não é que ela dormiu mesmo na grade? Na realização desta edição, perguntei a Malu como foi essa saga:
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Saímos de casa às duas e meia da manhã, e por incrível que pareça, a cidade estava bombando, cheio de gente nos restaurantes. Encontramos com os meninos e fomos pra beira da praia, isso já era umas três horas.
Pegamos a lateral do palco, [que estava com os tapumes], e fomos pra frente do palco. Estendemos a canga, e ali passamos o dia, entre areia, protetor e borrifadas de água. A sensação que eu tinha era “que que tô fazendo aqui, com a idade que eu tô, no meio de gente jovem”. Me senti muito acolhida, as pessoas se preocupavam o tempo todo comigo’’.
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A Gaga é um espetáculo, ela passou uma emoção pra gente, não precisava nem olhar pra ela, você sentia. Acho que era um espelho, a gente jogava [esse amor] e voltava pra nós.
Perguntei ao Lucas também o que ele tinha achado do show. No geral, ele se sentiu confortável e disse que lá, ele “estava no meio da minha gente, de pessoas que me entendem e eu as entendo. Me senti pertencente, senti que ali era meu lugar”. Disse que se encantou mais um vez pelo Rio de Janeiro, mesmo tendo ido outras vezes só pra turistar, mas que desse vez teve tudo, foi uma experiência completa.
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Sobre o show, eu fui muito cedo com minha mãe e tava preocupado com ela, né, porque assim, ela tem 51 anos e eu não sabia se ela ia aguentar até o final.
Não sei como ela aguentou, foi guerreira mesmo. Tinha a preocupação em ela passar mal, e olha que tinha gente mais nova que ela passando mal e ela lá com 51 anos aguentando tudo.
O show foi uma loucura, um misto de sentimentos, que não dava pra digerir, você só aceitava. Tive um sentimento de conforto muito grande.
A Lady Gaga é incrível, né. Pra mim, ela é a artista da vida, a minha favorita. Pra mim, ninguém consegue superar o que ela fez, acho que existem cantores muito bons, mas alguém que mudou toda uma indústria como ela e a Madonna, não tem.
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Na segunda-feira, quando as agendas finalmente se encaixaram e o corpo estava um pouco mais descansado do baque foi o show no sábado, conseguimos nos encontrar. Fomos juntos ao Jardim Botânico. A tarde já estava mais quente do que na primeira vez que nos encontramos. Uma fila chata pra entrar, problema com cartão, alguma burocracia besta.
Ao entrar, as palmeiras, as alamedas cheias de plantas nos dão boas vindas. Pelo mapa, não sabíamos por onde começar. Fomos flanando, sair por aí, como diziam Balzac, Baudelaire e João do Rio.
Nós quatro numa tarde calorenta no Jardim Botânico do Rio
Conversamos, mais uma vez, sobre tudo, sobre o show concordamos os quatro de que era um espetáculo, de que sair de lá que foi muito ruim e de como as muriçocas não dão tréguas no Rio. Já passava das 16h e a camiseta de Malu tinha se tornado uma espécie de chicote/leque para a proteger.
Mesmo com os pelos da minha perna me protegendo, essas desgraçinhas me picaram o tornozelo, justo no dia que estava de meias curtas.
Fomos tirar aquela clássica foto na alameda das palmeiras, vimos o espaço das plantas medicinais e rimos quando falamos de como a extrema direita brasileira teve outra ideia do show, a Gaga foi aclamada até por esse povo.
A ruiva que atira em pessoas e que tem as piores ideias, Carla Zambelli, disse que “Gaga trouxe o verdadeiro sentido das cores da nossa bandeira”. Assistimos ao mesmo show? Nunca saberemos.
Fomos tangidos pra fora do Jardim porque ele ia fechar, já tinha dado o horário. Na saída, nos despedimos com abraços fortes e promessas de se visitar aqui em Fortaleza. Já disse que o banho de mar aqui era garantido.
Viajar é se deixar perder num território desconhecido. As pessoas que encontramos nesses espaços podem ajudar a gente a se encontrar e potencializar a experiência coletiva nesse terreno estranho. Malu e Lucas com certeza deixaram o Rio mais legal e mais caloroso pra gente. 🙂
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